Dia desses conversando com uma amiga head hunter, com larga experiência na caça de talentos aqui em Santa Catarina, perguntei o porquê de tantas vagas não preenchidas. Ocorre que naquela empresa de recolocação e também em outras existe uma grande quantidade de oportunidades de trabalho e que acabam não sendo preenchidas.
Ela me deu duas respostas. A primeira e a mais óbvia está na falta de formação técnico-acadêmica de alguns candidatos. A segunda é tão interessante quanto paradoxal: “bons candidatos até aparecem, eles entendem muito de negócio, mas não entendem muito de gente”. Digo que a resposta me pareceu interessante por que abre um grande mercado (para “entendedores de gente”) e paradoxal porque na primeira justificativa faltava formação e na segunda, sobrava.
Mas será que o problema está nos profissionais ou teve início no modelo seguido pelas nossas empresas. Compreender como isso acontece pode salvar o seu emprego e, por conseqüência, a sua carreira.
A frase da descobridora de talentos ficou em minha mente e eu resolvi terceirizar minha curiosidade. Passei a questão para outros selecionadores: o que, afinal de contas, significa entender de gente? O que é isso que está tirando o emprego de pessoas competentes, de executivos e executivas preparados, com especialização, mestrado e MBA? Será que mesmo sendo gente a gente acabou se afastando do gênero humano? E, afinal, o que é ser humano?
As respostas que foram chegando me deram algumas pistas. Nossa educação ocidental, totalmente cartesiana, departamentalizada, dividida em compartimentos e nada abrangente, nos transformou em bons técnicos, porém técnicos em especificidades. Somos bons gerentes, bons diretores, bons desenvolvedores, bons “naquilo que fazemos”. Mas fechamos os olhos para “aquilo que não fazemos” e que seria necessário fazer. Mas, afinal, o que é isso? Que fórmula mágica seria?
Apenas recentemente começou-se a difundir a necessidade de um profissional com formação mais aberta, humanista, holística, porque não dizer. Daí em diante passou-se a se ouvir, com maior freqüência, no ambiente corporativo, palavras como: paz, harmonia, ambientes saudáveis (leia o artigo de Rosane Magaly Martins sobre ambientes tóxicos) etc.
Competição exacerbada, prazos cada dia mais curtos (e que têm origem na falta de planejamento), comportamentos e frases politicamente corretos, trajes adequados e de marca, ansiedade, pressão para subir na carreira, contrariedade e cada vez mais sapos para engolir transformaram nosso trabalho em algo em que sobrevive o melhor adaptado, o melhor adequado. Só que a nossa capacidade de adaptação nos impeliu a comportamentos que começam na adaptação e terminam no comodismo.
Lembra de quando você era menino, de quando você era uma menina? As coisas pareciam (e eram) mais simples. Gostava-se ou não de manga, por exemplo. Se não gostasse, não se comia manga e ponto final. Simples assim. Não era preciso dizer que gostava de manga para agradar alguém. Ninguém na cadeia hierárquica da sua turma ficava melindrado ou mesmo ameaçado por isso. Mesmo porque ninguém precisava estar de vestido novo ou com a melhor roupa para apreciar a fruta. Tampouco você não ganharia ou perderia prestígio se comesse ou não a gosmenta.
Não seriam então quesitos como simplicidade, sensibilidade e, principalmente, verdade requisitos necessários a bons “entendedores de gente”? Olhe ao seu lado e perceba se o ambiente corporativo em que você se insere não está corroído por gente ou procedimentos complicados em excesso. Veja se a “correria” não empanou sua capacidade de perceber o diferente, não o(a) deixou insensível ao que foge do padrão desejado. Verifique se sua capacidade de adaptação ao meio não o(a) colocou em situações de pequenas mentirinhas. É que a verdade dói e o homem foge da dor como o diabo da cruz. Mas não se preocupe agora com “mea culpa”. Concentre-se em entender o processo.
Entenda como o trio: simplicidade, sensibilidade e verdade pode readequar suas relações como clientes, parceiros, colegas, chefes. Entenda como os documentos da sua empresa podem ser mais simples, como a verdade encaminha o crescimento, ao mesmo tempo em que esconder a verdade atrapalha o crescimento seu e o do outro. Compreenda como a sensibilidade - muitas vezes dita como “alta capacidade de percepção”, “empatia” etc - pode te ajudar a construir relações mais sólidas e duráveis.
A competitividade em excesso nos transformou em verdadeiros leões, impiedosos com quem está na frente (cliente) e com que está ao nosso lado (equipe). Os leões matam até os filhotes para aplacar a própria fome. E a convivência de seres humanos e leões, no mesmo espaço, não é lá algo tão recomendável assim. Não culpe sua empresa pela competição exacerbada, ou o mercado por ser impiedoso. Lembre-se que são pessoas que fazem o mercado e as empresas.
E você? Quer ter gente ao seu lado, na mesa, ou quer servida no jantar? A diferença entre o homem e o leão é que a fera sabe apenas do sabor, mas não se delicia com a convivência e com a troca.
Sidnei Luiz Speckart atua em consultoria e gestão comercial e leciona no curso de Administração/Marketing do Instituto Blumenauense de Ensino Superior.
Fonte: Noticenter