Recriar impostos, ainda mais aqueles cuja péssima qualidade já está comprovada, não faz o menor sentido.
Benjamin Steinbruch (**)
O Brasil tem muitas qualidades e muitos defeitos. Um dos defeitos mais recorrentes é a falta de memória. Seis meses atrás, discutia-se ferozmente no país a extinção da CPMF, taxa de 0,38% cobrada sobre todas as operações financeiras.
O argumento dos que defendiam a manutenção do imposto era que a sua extinção abriria um buraco nas contas do governo -estimado em R$ 39 bilhões em 2008. Seria então necessário criar novos impostos e cortar gastos na área social, ameaçava-se.
Mas a CPMF era um imposto ruim e impunha uma carga regressiva sobre a sociedade. Taxava mais aqueles que ganhavam menos em razão de seu forte impacto cumulativo na cadeia produtiva. Quem defendia a sua extinção sustentava ser possível evitar os efeitos catastróficos previstos pelos cálculos governo.
A Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo), para mostrar que o país poderia sobreviver sem CPMF, fez um trabalho no qual previu que a receita líquida do governo federal seria ainda de R$ 528 bilhões em 2008. Esse valor representaria elevação de R$ 21 bilhões em relação à arrecadação líquida de 2007. Como as despesas estavam estimadas em R$ 498 bilhões, o superávit primário federal ficaria em R$ 30 bilhões, valor correspondente a 1,1% do PIB. Com iniciativas para o corte de gastos correntes, seria possível, tranqüilamente, compensar a perda da CPMF sem nenhum outro aumento de impostos.
Mas, tão logo o Congresso derrubou a CPMF, foram elevadas as alíquotas do IOF e da CSLL dos bancos com a finalidade de obter receita adicional estimada em R$ 10 bilhões. Passados quase seis meses, eis que saiu na semana passada uma nova estimativa oficial que eleva a receita líquida do governo federal para R$ 578,9 bilhões neste ano, reestima as despesas em R$ 530 bilhões e prevê superávit de R$ 48,9 bilhões. Ficou evidente, portanto, que os defensores do imposto e até mesmo a própria Fiesp trabalhavam com previsões cautelosas em matéria de receita tributária.
Não há mágica nem mistério nesse resultado. As receitas aumentaram mais do que previam os próprios otimistas por uma razão simples: a economia está em crescimento. Até as contas da Previdência, tradicionalmente problemáticas, tiveram seu déficit reduzido, em 15%, no primeiro quadrimestre.
Diante desse cenário, é inconcebível a tentativa de recriar a CPMF, com alíquota de 0,1%, surgida no Congresso em razão da provável aprovação da emenda 29, que dispõe sobre recursos à saúde. Surpreende-me que ainda se possa sustentar a tese da criação de imposto exclusivo para a saúde depois de tudo o que ocorreu com a velha CPMF, também cunhada com essa finalidade e desvirtuada.
Propostas de criação de impostos caminham na contramão do bom senso. As evidências indicam que seria oportuno fazer exatamente o contrário: aproveitar a boa fase da economia para diminuir carga tributária. O governo, reconheça-se, até já tomou iniciativas setoriais nesse sentido, ao reduzir a Cide para atenuar o impacto inflacionário do aumento dos combustíveis e ao incluir desonerações tributárias no pacote recente de política industrial.
O melhor caminho é esse mesmo: desonerar o máximo possível, para jogar lenha no fogo da atividade econômica, estimular investimentos, criar empregos e, por tabela, aumentar a própria receita do governo. Recriar impostos, ainda mais aqueles cuja péssima qualidade já está comprovada, não faz o menor sentido.
(*) Artigo publicado originalmente no jornal Folha de São Paulo em 27/05/2008.
(**) Benjamin Steinbruch, 54, empresário, é diretor-presidente da Companhia Siderúrgica Nacional, presidente do conselho de administração da empresa e primeiro vice-presidente da Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo).